Breve resposta a uma injúria pública
Por Marco Túlio Penitente — Publicado recentemente no site da Unisinos, o artigo intitulado “Padre Paulo Ricardo: cavaleiro de batina do apocalipse pandêmico”, do prof. dr. Fábio Py, contém uma série de imprecisões e erros graves de escrita que, somados às acusações não menos graves ali feitas, merecem ao menos alguma resposta pública, por breve que seja. Tenha-se presente que, para avaliar o acerto ou não dessa resposta, não é necessário “gostar” do Pe. Paulo nem estar de acordo com tudo o que ele diz ou com o modo como o diz. A justiça deve ser defendida sempre, mesmo que um abismo de divergências — políticas, ideológicas, teológicas, filosóficas, culinárias etc. — nos separe do acusado injustamente.
I. — Além de problemas de pontuação ao longo do texto, leem-se coisas como “contra censo”, em vez de “contrassenso”; “dispares” sem acento; “nem tão pouco”, quando o correto é simplesmente “tampouco”; “a alimentando”, em vez de “alimentando-a”; “dedica-se na”, para citar só algumas. Deixamos ao leitor o trabalho de identificar todas as faltas de concordância verbo-nominal, pois há mais de uma (por exemplo, “desenvoltura discursiva que retroalimentam…”). São erros que dificilmente se podem desculpar como “deslizes” ou “desatenção”, muito menos se o autor deles, além de ser professor universitário, afirma no currículo ter domínio razoável de pelo menos outras quatro línguas (espanhol, inglês, francês e italiano). Desde quando o poliglotismo gera inépcia no uso do idioma materno?
II. — Quanto às “imprecisões” de conteúdo, o artigo começa mal e em questões de fácil verificação. Destaquemos somente três casos, já que o espaço não dá para mais, e a falsidade tem sempre a vantagem de ser mais curta que os esforços para desmascará-la:
a) Em primeiro lugar, o Pe. Paulo Ricardo não é uma “figura recorrentemente citada” por Bolsonaro. Que me lembre, Bolsonaro o mencionou duas ou, no máximo, três vezes desde a eleição. Se o autor afirma o contrário, que apresente em apêndice ou nota de rodapé uma lista de citações públicas, expressas e representativas, isto é, nas quais o atual presidente se valha da autoridade ou de ideias do padre para endossar os próprios projetos políticos. Aliás, ainda que Bolsonaro o citasse frequentemente, daí não se seguiria que o Pe. Paulo é um “teólogo orgânico” a serviço dos interesses do atual governo; seguir-se-ia, se tanto, que o atual governo — se justa ou injustificadamente, já é outra questão — se aproveita dele para autenticar os próprios interesses. Governos sempre agiram assim. Nihil novi sub sole.
b) É falso, ademais, que “muitos dos vídeos no Youtube vetam a inserção de comentários”. Na verdade, a maioria maciça dos vídeos (são cerca de 2900 uploads), quase todos pertencentes ao programa “Homilia Diária” (que soma quase 1700 uploads), está aberta à discussão. Aliás, um canal como o do Pe. Paulo tem todo o direito, concedido pela própria plataforma, de fechar a seção de comentários, se assim julgar conveniente. Afinal, o objetivo do Youtube, que não é um fórum de debates, não é “propagar polêmicas”. E não esqueçamos: fechar a seção de comentários não impede que os usuários “negativem” os vídeos. Ninguém, pois, está impedido de manifestar desacordo com as produções do canal. O autor porém dá a entender que o padre “foge” das críticas, mantendo-se num olimpo de indiferença e surdez às (muitas?) vozes divergentes.
c) O Pe. Paulo em momento algum defendeu a liberalização indiscriminada de armas, ao contrário do que o artigo parece insinuar. Limitou-se a expor o que, goste-se ou não, é doutrina católica: a posse de armas de fogo, cumpridas certas condições, não é algo errado e, em certas circunstâncias, pode ser um meio legítimo de defesa da própria vida ou dos próprios bens contra um injusto agressor. Ora, que alguém veja nisso uma oportunidade para, extrapolando os limites da doutrina, defender por outros motivos a livre circulação de armas na sociedade civil, já não é responsabilidade do Pe. Paulo, como tampouco o é da Igreja Católica. E vale lembrar: o vídeo em que o Pe. Paulo fala sobre o desarmamento é de 2011, ou seja, 7 anos antes de Bolsonaro “repostá-lo” em suas redes.
III. — Os erros de escrita e a interpretação enviesada que o autor impõe a algumas falas do Pe. Paulo não só desmerecem o título de doutor que ostenta no currículo e a posição que ocupa como professor de pós-graduação; são também um indício de que o artigo não é fruto de estudo sereno e reflexão imparcial, como se esperaria de um acadêmico comprometido com a verdade, mas, ao que tudo indica, expressão de simples antipatia pelo atual governo (e, por tabela, por todas as pessoas direta ou indiretamente a ele relacionadas), antipatia que se extravasa em formas mais adequadas a um “textão de Facebook” escrito às pressas que a uma revista digital de uma instituição de ensino — pasmem — católica.
(Um desabafo. — É triste que a formação universitária, como todos podem constatar, tenha-se reduzido ao aprendizado de um vocabulário de “super-categorias” que soam talvez muito “inteligentes” e cujo manuseio parece dar a seus usuários certo senso de “superioridade analítica”, embora não passe de palavrório pomposo sob cuja gordura se esconde um organismo sem músculos. O artigo do prof. Fábio Py é prova de que, com um diploma, é possível falar de “eugenia sócio-biológica”, de religiões de “matriz afro-diaspóricas”, de “construções teológicas”, de “mentalidades persecutórias”, de “biopolítica do capitalismo”, sem saber concordar o verbo com o sujeito.)